O surgimento de uma nova onda de contaminações por Covid-19 na Argentina, alçando o país ao indesejável grupo dos dez países com mais casos da doença em outubro, tem tirado o sono dos produtores brasileiros de leite.
Com seu mercado interno fortemente atingido pelas medidas de isolamento social decretadas para tentar conter o avanço da doença, a indústria argentina de lácteos passou a escoar o excedente da sua produção para o Brasil. Só em outubro, o volume importado foi 121,5% maior que no mesmo período do ano passado, atingindo 14,4 mil toneladas.
“Em setembro, chegamos a importar o equivalente a 7% da produção brasileira e isso desequilibra o mercado. Não que os volumes sejam tão grandes, mas eles desequilibram a situação de oferta”, conta Ronei Volpi, presidente da Câmara Setorial do Leite e Derivados, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Embora no acumulado do ano as importações brasileiras de lácteos estejam praticamente em linha com o ano passado, Volpi explica que o aumento das importações argentinas ocorreu justamente no período de maior produção nacional, quando os preços aos produtores já tendem a cair.
A situação levou a Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite) a pedir, na semana passada, que o governo brasileiro intervisse temporariamente nas importações brasileiras de lácteos. Restam, contudo, poucas ferramentas para essa intervenção, dado que mais de 90% das importações ocorrem de países do Mercosul – caso da Argentina, que respondeu sozinha por 64,5% das importações brasileiras de lácteos em outubro.
“Em setembro, a diferença entre o preço no mercado interno e o preço internacional era de 40%. Em outubro, caiu para 25% e, na primeira semana de novembro, já chegou a 19%”, relata Marcelo Martins, diretor executivo da Associação Brasileira de Laticínios (Viva Lácteos), ao lembrar da forte alta nos custos de produção no país, acompanhadas pelo preço pago ao produtor.
Se de um lado os custos subiram na esteira da desvalorização do real e dos preços recordes do milho, para a demanda a previsão é de uma queda no início do próximo ano, quando 43,6% dos municípios brasileiros deixarão de receber o auxílio emergencial pago pelo governo.
Com isso, os produtores afirmam que o aumento das importações neste momento tende a criar uma “oferta artificial excessiva” no mercado interno, comprometendo as margens ao ponto de inviabilizar a produção nacional.
“O pessoal não está chorando por um movimento qualquer. Realmente, a situação está bastante complicada, principalmente para os produtores daqui do sul do Brasil porque isso já vem de um período desde 2019, com problemas nas condições de pastagens e custos mais altos”, explica Darlan Palharini, secretário executivo do Sindicato das Indústrias de Laticínios do Rio Grande do Sul (Sindilat).
Ele ressalta que, assim como os produtores, a indústria é favorável a uma possível intervenção do governo para conter as importações, mas reconhece que a medida não é uma opção viável. “O Sindilat é favorável à imposição de tarifas porque acredita que as importações precisam ser planejadas, mas o Mercosul é um acordo de livre mercado. Não tem como estabelecer isso”, aponta Palharini.
Pressão política
No dia 6 de novembro, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) enviou ofício ao Ministério da Agricultura pedindo medidas emergenciais para conter a forte redução nas margens dos produtores no segundo semestre deste ano.
Segundo a entidade, “há forte tendência de pequenos e médios produtores venderem seus animais para o abate devido aos altos preços da arroba ou mesmo saírem da atividade, o que ocasionará problemas sociais no campo e menor oferta de leite para o próximo ano”.
“Essa questão do grão fugiu a qualquer previsibilidade e se alinha ao documento da CNA, tentando fazer leilões de grãos, alguma política, talvez, tributária que possa amenizar este impacto. Senão, realmente podemos ter uma situação social bastante agravada na produção de leite, com abandono da atividade”, conclui Palharini.
Fonte: Revista Globo Rural